sábado, 25 de junho de 2011

UM LIBELO A JUSTIÇA E AO DIREITO

UM MARAVILHOSO LIBELO A JUSTIÇA... QUE AINDA RESISTE E SE FAZ PRESENTE NAS CORTES DE JUSTIÇA DESTE PAÍS.

  Decisão do MM. Desembargador  José  Luiz  Palma  Bisson, do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferida num Recurso de Agravo de Instrumento ajuizado contra despacho de um Magistrado da cidade de Marília (SP), que negou os benefícios da Justiça Gratuita a um menor, filho de um marceneiro que morreu depois de ser atropelado por uma motocicleta. O menor ajuizou uma ação de indenização contra o causador do acidente pedindo pensão de um salário mínimo mais danos morais decorrentes do falecimento do pai.
  Por não ter condições financeiras para pagar custas do processo o menor pediu a gratuidade prevista na Lei 1060/50. O Juiz, no entanto, negou-lhe o direito dizendo não ter apresentado prova de pobreza e, também, por estar representado no processo por "advogado particular".

  A decisão proferida pelo Tribunal de Justiça de São Paulo a partir do voto do Desembargador Palma Bisson é daquelas que merecem ser comentadas, guardadas e relidas diariamente por todos os que militam no Direito e no Judiciário.
Transcrevo a íntegra do voto, que, é mais um libelo a justiça, do que propriamente um voto e uma decisão judicial,  e que ao ler trouxe-me lágrimas aos olhos:

"É o relatório.
Que sorte a sua, menino, depois do azar de perder o pai e ter sido vitimado por um filho de coração duro - ou sem ele -, com o indeferimento da gratuidade que você perseguia. Um dedo de sorte apenas, é verdade, mas de sorte rara, que a loteria do distribuidor, perversa por natureza, não costuma proporcionar. Fez caber a mim, com efeito, filho de marceneiro como você, a missão de reavaliar a sua fortuna.
Aquela para mim maior, aliás,  pelo  meu  pai  -  por  Deus  ainda  vivente e trabalhador - legada, olha-me agora. É uma plaina manual feita por ele em paubrasil, e que, aparentemente enfeitando o meu gabinete de trabalho, a rigor diuturnamente avisa quem sou, de onde vim e com que cuidado extremo, cuidado de artesão marceneiro, devo tratar as pessoas que me vêm a julgamento disfarçados de autos processuais, tantos são os que nestes vêem apenas papel repetido. É uma plaina que faz lembrar, sobretudo, meus caros dias de menino, em que trabalhei com meu pai e tantos outros marceneiros como ele, derretendo cola coqueiro - que nem existe mais - num velho fogão a gravetos que nunca faltavam na oficina de marcenaria em que cresci; fogão cheiroso da queima da madeira e do pão com manteiga, ali tostado no paralelo da faina menina.
Desde esses dias, que você menino desafortunadamente não terá, eu hauri a certeza de que os marceneiros não são ricos não, de dinheiro ao menos. São os marceneiros nesta Terra até hoje, menino saiba, como aquele José, pai do menino Deus, que até o julgador singular deveria saber quem é.
O seu pai, menino, desses marceneiros era. Foi atropelado na volta a pé do trabalho, o que, nesses dias em que qualquer um é motorizado, já é sinal de pobreza bastante. E se tornava para descansar em casa posta no Conjunto Habitacional Monte Castelo, no castelo somente em nome habitava, sinal de pobreza exuberante.
Claro como a luz, igualmente, é o fato de que você, menino, no pedir pensão de apenas um salário mínimo, pede não mais que para comer. Logo, para quem quer e consegue ver nas aplainadas entrelinhas da sua vida, o que você nela tem de sobra, menino, é a fome não saciada dos pobres.
Por conseguinte um deles é, e não deixa de sê-lo, saiba mais uma vez, nem por estar contando com defensor particular. O ser filho de marceneiro me ensinou inclusive a não ver nesse detalhe um sinal de riqueza do cliente; antes e ao revés a nele divisar um gesto de pureza do causídico. Tantas, deveras, foram as causas pobres que patrocinei quando advogava, em troca quase sempre de nada, ou, em certa feita, como me lembro com a boca cheia d'água, de um prato de alvas balas de coco, verba honorária em riqueza jamais superada pelo lúdico e inesquecível prazer que me proporcionou.
Ademais, onde está escrito que pobre que se preza deve procurar somente os advogados dos pobres para defendê-lo? Quiçá no livro grosso dos preconceitos...
Enfim, menino, tudo isso é para dizer que você merece sim a gratuidade, em razão da pobreza que, no seu caso, grita a plenos pulmões para quem quer e consegue ouvir.
Fica este seu agravo de instrumento então provido; mantida fica, agora com ares de definitiva, a antecipação da tutela recursal.
É como marceneiro que voto.
JOSÉ LUIZ PALMA BISSON -- Relator Sorteado"
 
  Amigos Este é uma dos mais belas manifestações de Justiça que tive o prazer de ler - um libelo de resgate a Justiça e ao Direito, proporcionado pelo MM. Desembargador Palma Bisson.
  Vivemos hoje a ditadura das leis e da política, da letra fria da lei, do pragmatismo da lei,  que sintetiza o direito positivo em nosso arcabouço jurídico, em detrimento a justiça, a verdadeira justiça que deveria ser o norte de todos os operadores do direito.
  Perseguir a verdadeira Justiça, possuir a verdadeira noção de Justiça é muitas vezes preconizar "a Justiça antes da lei", é o "SER" e não o "DEVER SER", é preciso coragem, é preciso sensibilidade, é preciso lucidêz, para exercer a verdadeira justiça, coisa que não se aprende nos bancos das faculdades de direito, mas em casa, no seio do lar, no carinho de Mãe,de  Pai, dos Irmãos - da família, da célula mater da sociedade, tão esquecida nestes dias atribulados.
  Este post é uma homenagem para um homem de justiça, não de direito, para um filho de marceneiro que nunca renegou suas origens e sua natureza humana, nos dando uma profunda lição, mais que isso, uma esperança e uma certeza de que ainda existem homens de justiça e justos neste país, e que nem tudo está perdido.
Meus respeitos e minhas sinceras homenagens ao MM. Desembargador JOSÉ LUIZ PALMA BISSON - Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo - "Um Homem de Justiça".
Abraços fraternos
Anselmo

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